Os Primeiros Campeões MundiaisÉ o boato que corre. No Mundial Interclubes de 51 só faltou uma coisa: o melhor time do mundo. Não sei se alguém se lembra, mas havia um gordinho chamado Puskás na Hungria aquela época, que jogava no Honvéd -- aliás, foi pela origem militar do time, que Puskás virou o
Major Galopante.
Autor de mais de mil gols. Em jogos oficiais, em ligas de primeira divisão, só tem à sua frente Bican, Pelé e Romário. Campeão olímpico, campeão mundial (empatado com a Alemanha em 54, todo mundo sabe que ele não estava impedido no 3o. gol), campeão de tudo. O Major comandou o time que aperfeiçoou as triangulações, inventou o aquecimento (já saía de 2 a 0*), um gênio. Só mesmo o Palmeiras (e talvez o Parreira) para o considerarem um detalhe.
(*) no futebol, o melhor time devia sair sempre de 2 a 0 por razões estéticas
Mas tudo bem, o pessoal precisava de uma alegria depois da maior tragédia da história brasileira. Entretanto, o que realmente lavou a alma nacional não foi a Copa Rio de 51. E nem a vitória de 3 a 0 do Vasco sobre o Peñarol, ou a do América. Foi o Pan-Americano de 52. Mario Filho:
"O escrete só deu um treino, e partiu na mesma noite para Santiago do Chile. Parecia um 'embrulhe e mande'. Para piorar as coisas, antes do sábado de aleluia o Brasil empatou com o Peru. O brasileiro ainda não tinha perdido a vergonha do empate. Houve uma revolta nacional. Só uns tricolores, pensando inclusive mais no Fluminense do que no Brasil, não acharam o empate com o Peru a suprema ignomínia (...) todos os Judas pendurados nos postes dos quatro cantos do Rio eram Zezés Moreiras (...)
Até que houve o Brasil e Uruguai. O Brasil com a camisa amarela da CBD, o Uruguai com a
Celeste. Aquele jogo, sim, era a revanche do 16 de julho. Pela primeira vez, desde 50, se encontravam os dois escretes. E o Brasil ganhou em tudo: no futebol, no pontapé, no safanão, no bofete (...)
No primeiro bafafá, Ely do Amparo meteu a mão em Obdúlio Varela (...) Bigode, que estava no banco dos reservas, não resistiu: entrou em campo para dar em Obdúlio Varela também.
O Brasil todo se babou de gozo ao pé do rádio (...) Porque não era uma vitória. Era uma goleada. E era o baile. Para que a pancadaria? É que o safanão de Obdúlio em Bigode, em 50, estava atravessado na garganta de todo brasileiro. Qual de nós duvidava da superioridade do futebol brasileiro? a dúvida era outra: a de o brasileiro aguentar na hora h (...)
Era uma fúria de forra, a brasileira, que não se aplacava nem com a goleada. Bigode tirara uma casquinha de Varela. Podia levantar o queixo de novo. Ely do Amparo passeava em campo, as pernas compridas em arco, de peito cheio, como um galo de briga depois de fazer o outro galo cantar de galinha.
Para Nilton Santos, porém, não bastara (...) O placar estava quatro a um, faltava apenas um minuto para acabar o jogo. Mário Américo esticara um dedo, lá longe, para mostrar que o jogo ia acabar num minuto. Foi quando Nilton Santos viu dando sopa, perto dele, o autor do gol da vitória uruguaia em 50: Gigghia.
Podia tomar-lhe a bola, dar-lhe um drible, fazer o que sempre fazia, fingir que ia para um lado e ir para o outro. Não fez nada disso: encheu o pé para chutar Gigghia. Era pênalti. Nilton Santos nem se preocupou. Quatro a um ou quatro a dois, que diferença fazia? Mas chutara Gigghia. Os fantasmas uruguaios não iam atormentar as meia-noites do futebol brasileiro.
Foi uma vitória que lavou o peito de todo o Brasil. Daí a recepção aos heróis do Pan-Americano: de campeões do mundo. Maior que a dos pracinhas voltando da guerra."