Por cinco fulgurosos minutos, o confronto dos lanternas aspirou a clássico, iludiu as almas românticas, e até as pedras se amontoavam para assistirem extáticas ao espetáculo. Mas foi tudo que o Glorioso e o Mais Querido do Brasil conseguiram proporcionar.
Já não são mais times, são álbuns. Não dos que guardam poeira num canto do armário, raramente manuseados; as fotos do álbum futebolístico não se descolorem com o tempo, o tempo é que descolore a realidade. A tênue lembrança de um tropeço lógico de Garrincha vale mais do que todo o novo século deste Botafogo. E as memórias de outrora ganham matizes e eternidade a cada nova temporada.
O jogo de ontem à noite, meus caros, foi uma desgraça. Não existem adjetivos, superlativos, imprecações para descrevê-lo; uma orquestra, sem maestro, que desejasse musicar tão desfigurado espetáculo, por mais execrável que sua performance se afigurasse, sobressair-se-ia como arte de além das alturas. A depender do ridículo de ontem, os dois clubes não mais existirão, e é melhor portanto que nos esqueçamos do ocorrido.
Os comentaristas tecerão suas análises, eu me recolherei a uma prece: que o morto seja levado com o mínimo de agonia, e que sobrevivamos a isso como pudermos. E diante de tamanho descalabro, ainda nos perguntamos se poderia ser melhor. Poderia?
Talvez trocando o spray que macula nossos gramados com seu composto químico e cartesiano.
Que me importam as barreiras, se não temos quem cobre as faltas? Dêem as faltas e suas barreiras inestéticas e científicas aos pobres de espírito, o que pedimos é um esboço de futebol. Barreiras... são nada, desprezíveis, não nos importam.
Melhor seria munir nossos árbitros, sempre tão circunspectos, voluntariosos, imparcialíssimos no uso da lei, de sprays de pimenta. Sprays para cegar e retirar de campo cada molambo que pratique o antijogo, que até isso praticam mal. Sprays na vista de técnicos e dirigentes, por vingança ou precaução. Sprays nos olhos dos torcedores, pois antes cegos, que abandonados à loucura apóstata que esta triste visão nos impingirá.
Meras palavras não comportam tamanha dissolução.
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