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sexta-feira, abril 23, 2004

JOÃO SEM MEDO

A cegueira que acometeu Pelé esta semana traz à lembrança, inevitavelmente, a figura de João Saldanha, técnico da seleção durante as eliminatórias para a copa de 70, e que disse que o negão estava cego.

Hoje sabemos que, como sempre, o velho mestre tinha razão, o Rei do futebol era míope já então. E não era só de futebol que entendia, como a história abaixo atesta:

Em 1971, João Saldanha já tinha sido defenestrado da seleção brasileira e estava até aqui com a linha cada vez mais dura do governo militar. Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, era um jovem enxadrista em franca ascenção, bancado e protegido pelo presidente Médici e pelo então ministro da Educação Jarbas Passarinho, a quem agradecia a cada vitória, e estava cotadíssimo para receber o Golfinho de Ouro, prêmio do MIS dado à esportistas em destaque, mas que em 1970 tivera sido usado com fins políticos. Seria vítima da vendetta do João Sem Medo.

Quando os conselheiros de esporte se reuniram, o nome de Mequinho veio rapidamente à baila, apenas para ser contestado por Saldanha, que sacou o lance das cartas marcadas:

- Só que xadrez não é esporte!

A hipótese era sagaz: João acessorara Antonio Huaiss, Otto Maria Carpeaux e mais uma dúzia de sumidades nos verbetes de esportes da futura enciclopédia Mirador, onde o xadrez havia sido definido como "atividade lúdica", não esporte. Seguiu-se a troca de argumentos:

- Xadrez aparece na página de esportes do jornal.

- Ora, o anúncio das pastilhas Valda também...

- Xadrez é uma competição, logo é esporte!

- Se fosse assim, concurso de miss e festival da canção também seriam esporte, porque há competição.

- É, mas nenhum dos dois têm uma confederação para regulamentar...

- Se o negócio é uma confederação, e os bispos têm a deles, então tem vaga para São Jorge na coluna do turfe...
O prêmio Golfinho de Ouro 1971 foi para Buck, técnico de remo.

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E uma outra história que podem achar no livro do João Máximo, uma que mostra quanta coragem tinha o Saldanhã João...

O Carro de João Saldanha levara uma fechada de um caminhão. O motorista, um portuga casca-grossa, daqueles de vestir camisa do Vasco e calçar tamanco em crônica do Veríssimo, já desce da boléia com um porrete dessa idade na mão. Magrinho, pequeno, Saldanha mandou:

- O que que há, patrício? Um homenzarrão que nem você não vai precisar de um porrete desses para bater num magricela que nem eu.

O galego vacilou, João era bom de bico:

- Joga esse troço fora e vem dentro!

O português ponderou, mediu Saldanha com o olho e acabou largando o porrete. Já ia virando o primeiro tabefe quando João gingou, num drible de corpo apanhou o porrete e quase moeu o motorista de tanta paulada.