Jogo Proibido (iv)
Mundialito de 57 na Venezuela
"O elevador não estava funcionando, e eu fui de escada até o terceiro andar. A construção era meio esquisita, devia ser uma adaptação. Para se ir pela escada, de um andar a outro, tinha-se de caminhar o corredor inteiro até atingir o outro lance. No segundo andar, onde não havia ninguém de nossa delegação, ao passar por um quarto escutei uma discussão, em português, bem nítida.
- Eu mandei virá baixo pra pará mais no valete. Você virou a boca. Joga direito, viu, crioulo. Senão vou apelar pra ignorância.
Aquela voz era do Paulo Valentim. Inconfundível. Estão jogando, pensei. E este negócio de 'vira-baixo' é Ronda. Mas de quem será este quarto? Como será que eles arranjaram isto? Eu tinha de entrar pra dar um flagrante, quando apareceu Aloísio, o roupeiro, na porta do corredor. Então dei a bronca baixinho:
- Você já sabia, não é? Você também está metido nisto?
- Não, senhor. Eu só jogo bicho e corrida. Eu só estava subindo. O elevador não está funcionando.
Aloísio Birruma tinha respondido bem, mas um embrulho grande, de papel cor-de-rosa, todo engordurado por fora, evidenciava uma pedida de sanduíches e já vinha um garçon do hotel com uma bandeja de bebidas. Quando me viu chegou a dar uma freada igual às de desenho animado. Corri e mandei que fosse entregar a encomenda, senão iria falar com o dono do hotel.
O garçon bateu na porta e gritou: 'Las bebidas!' Abriram sem dar importância e de costas foram dizendo: 'Bota aí em cima da mesa'. Outra voz perguntou: 'Cadê o Aloísio com os sanduíches? Êta sujeito mole!' E o jogo continuou.
O Didi, cheio de notas, era o banqueiro. O Amoroso, que estava de frente, me viu e correu pra dentro do banheiro. Didi, atento às paradas, não percebeu nada e só dizia: 'Pode ir mais. O banqueiro paga e recebe com um sorriso nos lábios. Pode mais. O rei é meu, o oito é do ponto. Pode ir mais.'
Então eu disse:
- Bota aí dez pra mim.
Didi, de costas, respondeu:
- A galinha come é com o bico no chão. Casadinho dorme junto. É só botar o tutu que está valendo.
Nisto, o Quarentinha, que também estava sentado no chão, gritou:
- É a Polícia!
Foi uma correria. O quarto esvaziou. O Didi, quando passou por mim, ainda disse: 'Não era a valer dinheiro, seu João... era só pra passar o tempo', explicou, tão cheio de notas de dólar entre os dedos que até parecia trocador de ônibus..."
(Subterrâneos do Futebol, João Saldanha)
"O elevador não estava funcionando, e eu fui de escada até o terceiro andar. A construção era meio esquisita, devia ser uma adaptação. Para se ir pela escada, de um andar a outro, tinha-se de caminhar o corredor inteiro até atingir o outro lance. No segundo andar, onde não havia ninguém de nossa delegação, ao passar por um quarto escutei uma discussão, em português, bem nítida.
- Eu mandei virá baixo pra pará mais no valete. Você virou a boca. Joga direito, viu, crioulo. Senão vou apelar pra ignorância.
Aquela voz era do Paulo Valentim. Inconfundível. Estão jogando, pensei. E este negócio de 'vira-baixo' é Ronda. Mas de quem será este quarto? Como será que eles arranjaram isto? Eu tinha de entrar pra dar um flagrante, quando apareceu Aloísio, o roupeiro, na porta do corredor. Então dei a bronca baixinho:
- Você já sabia, não é? Você também está metido nisto?
- Não, senhor. Eu só jogo bicho e corrida. Eu só estava subindo. O elevador não está funcionando.
Aloísio Birruma tinha respondido bem, mas um embrulho grande, de papel cor-de-rosa, todo engordurado por fora, evidenciava uma pedida de sanduíches e já vinha um garçon do hotel com uma bandeja de bebidas. Quando me viu chegou a dar uma freada igual às de desenho animado. Corri e mandei que fosse entregar a encomenda, senão iria falar com o dono do hotel.
O garçon bateu na porta e gritou: 'Las bebidas!' Abriram sem dar importância e de costas foram dizendo: 'Bota aí em cima da mesa'. Outra voz perguntou: 'Cadê o Aloísio com os sanduíches? Êta sujeito mole!' E o jogo continuou.
O Didi, cheio de notas, era o banqueiro. O Amoroso, que estava de frente, me viu e correu pra dentro do banheiro. Didi, atento às paradas, não percebeu nada e só dizia: 'Pode ir mais. O banqueiro paga e recebe com um sorriso nos lábios. Pode mais. O rei é meu, o oito é do ponto. Pode ir mais.'
Então eu disse:
- Bota aí dez pra mim.
Didi, de costas, respondeu:
- A galinha come é com o bico no chão. Casadinho dorme junto. É só botar o tutu que está valendo.
Nisto, o Quarentinha, que também estava sentado no chão, gritou:
- É a Polícia!
Foi uma correria. O quarto esvaziou. O Didi, quando passou por mim, ainda disse: 'Não era a valer dinheiro, seu João... era só pra passar o tempo', explicou, tão cheio de notas de dólar entre os dedos que até parecia trocador de ônibus..."
(Subterrâneos do Futebol, João Saldanha)
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